Não-se-pode
Outro fantasma nosso, conterrâneo do Cabeça-de-Cuia, pastando as mesmas paragens - Teresina, Poti Velho e imediações periféricas. Sim que seu ponto de referência mesmo era a cidade - Teresina. Durante muitos e muitos anos, foi o espectro mais assíduo e comentado na Capital de nosso Estado. A Não-Se-Pode freqüentemente aparecia aos noctívagos que perambulavam pelas ruas. Dezenas, talvez centenas, de pessoas encontraram-se com ela às caladas da noite. Que seja de nosso conhecimento, não temos notícia de que ela alguma vez aparecera a alguém fora da cidade pois, a antiga vila do Poti Velho é hoje apenas a chamada Chapada do Corisco, - ou mesmo antes, quando este chão habitado só por índios e bichos-do-mato, vamos dizer: quando este Brasilão não era nem Terra de Vera Cruz.
O certo é que a Não-Se-Pode começou a fazer visagens a cristãos quando já Teresina era Capital do Estado do Piauí. Naqueles tempos, as ruas eram iluminadas a gás - lampiões. Pois bem. Soldados de ronda que patrulhavam a cidade, boêmios e demais noctâmbulos que perambulavam às horas-mortas da noite, encontraram-se com ela. Uma mulher alta, magra, rosto comprido e olheiras fundas. Assim como se um aspecto de sofredora, torturada. Com um tom de ares de tristeza nas faces, como se um ente por demais saturado de sofrimentos. Sempre trajando vestido branco, bem alvo mesmo, e tão comprido, varria o chão por onde passava. Aproximava-se do indivíduo e pedia-lhe um cigarro. Se este perguntava-lhe o nome, ela, numa voz triste e cavernosa, bem compassada e em tonalidade de cansaço, separando bem as sílabas, respondia:
- Não se pode! Não se pode! Não se pode!..
Aí saía caminhando, lentamente, e repetindo:
- Não se pode! Não se pode! Não se pode!...
E logo, sem se perceber como, desaparecia-se das vistas da pessoa.
Às vezes não dava um passo.
Encarava o sujeito, com aqueles seus olhos tristes de cabra-morta, dizendo:
- Não se pode! Não se pode! Não se pode!...
E dali mesmo desaparecia-se.
Aí a pessoa ficava imóvel, sem a menor ação, e ouvindo aquela voz como se vinda dos ares:
- Não se pode! Não se pode! Não se pode!...
Naturalmente dizendo que podia dizer o nome, porque revelaria algo de seu segredo, de sua origem. Mesmo assim, sem algo a ninguém revelar, ficou batizada por Não-Se-Pode.
Mas o pior era quando a pessoa não sabia (ou não atinava na hora) de que se tratava e oferecia-lhe o cigarro pedido. Ela punha o cigarro à boca e começava a se esticar. Crescia, crescia, crescia... crescia a ponto de acender o cigarro lá em cima, no lampião. E o mais interessante era que, mesmo com tanto crescer sem limite ( quatro ou cinco metros) o vestido sempre arrastando a basta no chão. A seguir, voltava à estrutura normal e saía a passos lentos, bem longos, soltando aquelas baforadas densas que a fumaça subia em flocos, e cadenciadamente dizendo:
- Não se pode! Não se pode! Não se pode!...
Hoje, que a cidade cresce e a cada dia toma mais aspecto de metrópole, nunca mais se ouviu alguém dizer que se encontra com a Não-Se-Pode.
Apenas os velhos daqueles tempos idos que ainda existem contam-nos a tal estória. E acreditam mesmo que a Não-se-Pode ainda perambula por essas ruas às caladas da noite.
Benza-a Deus!
Outra denominação da Não-Se-Pode, que dizem ser seu verdadeiro nome de origem, é Moita.